A onda de remakes que inundou Hollywood nos anos 2000 recebeu críticas mistas, especialmente quando revisitavam clássicos do terror. Entre essas produções, “Horror em Amityville” (2005) destacou-se por substituir a atmosfera sombria do original por uma estética visual mais moderna e elenco atraente.
Duas décadas depois, vale reconsiderar esta produção que ofereceu mais substância do que críticos reconheceram à época.
Dirigido por Andrew Douglas, o remake transformou a história da casa 112 da Ocean Avenue em algo visualmente alinhado com a estética acelerada dos anos 2000. O que inicialmente parecia apenas uma escolha comercial revela-se uma decisão que adiciona camadas interpretativas à narrativa original.
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A releitura preserva a premissa básica: uma família se muda para uma casa onde ocorreram assassinatos brutais e logo enfrenta manifestações sobrenaturais. Porém, Douglas atualiza os medos representados, substituindo a solenidade religiosa do original por ansiedades contemporâneas sobre desejo e domesticidade.
Ryan Reynolds, hoje conhecido pelo humor irreverente em “Deadpool”, entrega uma performance surpreendentemente nuançada. Sua transformação de padrasto amoroso a figura ameaçadora cria uma tensão constante, enquanto sua presença física – tão destacada no marketing – serve como metáfora para a masculinidade tóxica que o personagem desenvolve.
Melissa George, como Kathy Lutz, evita o clichê da “mocinha indefesa”, incorporando uma mulher dividida entre o amor pelo novo marido e a proteção dos filhos. Sua interpretação traz vulnerabilidade e força, construindo uma personagem feminina complexa em um gênero que frequentemente reduz mulheres a vítimas unidimensionais.
A cinematografia de Peter Lyons Collister, com tons azulados e filtros saturados, poderia ter se tornado datada, mas curiosamente estabeleceu um padrão visual que influenciou produções de terror por anos. O que parecia excessivamente estilizado em 2005 agora pode ser reconhecido como precursor estético de obras contemporâneas.
A trilha sonora minimalista de Steve Jablonsky, pontuada por momentos de tensão crescente, complementa perfeitamente a abordagem visual. Os elementos sonoros criam uma atmosfera imersiva que compensa momentos onde os efeitos visuais da época mostram suas limitações técnicas.
O elemento mais intrigante do filme, e que merece reavaliação, é como ele utiliza tensões sexuais não apenas como apelo comercial, mas como ferramenta narrativa. Em uma sociedade onde religiosidade e sexualidade frequentemente entram em conflito, a história de uma casa possuída que desperta impulsos primitivos ganha ressonância particular.
As cenas onde Reynolds exibe seu físico cortando lenha ou os momentos de tensão entre o casal principal vão além do simples apelo visual – representam a externalização de desejos que normalmente mantemos ocultos. Esta abordagem contrasta com o original de 1979, que internalizava suas tensões sexuais.
Como observado por Margot Kidder sobre o filme original, “foram os cristãos fanáticos que o tornaram um sucesso. Eles queriam que as pessoas acreditassem no diabo, possessões e casas mal-assombradas.” O remake subverte essa leitura religiosa, transformando o horror sobrenatural em metáfora para ansiedades sobre desejo e família.
O remake tem o mérito de reconhecer o quão problemático é transformar uma tragédia real em entretenimento. Ronald DeFeo Jr. realmente assassinou seis membros de sua família, e o filme de 2005 é o primeiro da franquia a realmente confrontar o aspecto questionável de transformar esse evento em material para cinema comercial.
Esta autoconsciência sobre explorar tragédias reais para entretenimento ressoa fortemente na atualidade, onde debates sobre ética na representação midiática de crimes reais têm ganhado força com o crescimento do gênero true crime em diversas plataformas.
A estética visual do filme reforça o tema do voyeurismo: a própria casa, com suas janelas no terceiro andar iluminadas como olhos, nos coloca na posição de espectadores de terrores privados tornados públicos. Este elemento metanarrativo comenta sobre nossa própria atração por histórias de horror baseadas em eventos reais.
O filme não nos assusta apenas com fantasmas ou manifestações sobrenaturais, mas com o que sentimos ao assistir e por que nos sentimos atraídos por essas histórias. A verdadeira possessão talvez seja nossa própria fascinação em observar o desmoronamento de uma família.
Vinte anos depois, “Horror em Amityville” (2005) merece ser revisitado com novo olhar crítico. Longe de ser apenas mais um remake oportunista, o filme oferece uma reflexão surpreendentemente sofisticada sobre voyeurismo, família e nossa fascinação coletiva pelo macabro.
Por trás da fachada comercial existe um comentário sobre medos contemporâneos que continua relevante. Se você o descartou na época, talvez seja hora de dar-lhe uma segunda chance e descobrir as camadas interpretativas que passaram despercebidas no contexto de seu lançamento original.
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