No coração de Connecticut, um casal transformou experiências sobrenaturais em um legado cultural sem precedentes.
Ed e Lorraine Warren, os mais célebres investigadores paranormais americanos, construíram uma reputação que transcendeu as fronteiras entre realidade e ficção, tornando-se inspiração para uma das franquias de terror mais lucrativas do cinema.
Edward Warren Miney nasceu em Bridgeport, Connecticut, em 1926. Desde pequeno, afirmava ter crescido em uma casa mal-assombrada – experiência que moldaria sua trajetória profissional. Lorraine Rita Moran, também nascida em Bridgeport, em 1927, demonstrava habilidades mediúnicas desde cedo, relatando que conseguia visualizar auras ao redor das pessoas.
O destino os uniu aos 16 anos, e o casamento ocorreu em 1945, após Ed retornar da Segunda Guerra Mundial, onde serviu na Marinha americana. Esta união não foi apenas matrimonial, mas também profissional, estabelecendo o que viria a se tornar o mais famoso casal de investigadores paranormais da história.
Em 1952, fundaram a Sociedade de Pesquisa Psíquica da Nova Inglaterra (NESPR), a mais antiga organização de caça-fantasmas do nordeste americano. Ed se autodenominava demonologista, enquanto Lorraine se apresentava como clarividente e médium de transe leve. Juntos, alegaram ter investigado mais de 10 mil casos de fenômenos inexplicáveis ao longo da carreira.
Um dos casos mais perturbadores na carreira do casal envolveu uma boneca Raggedy Ann que teria sido presenteada a uma enfermeira em 1970. De acordo com os Warren, o brinquedo começou a exibir comportamentos inexplicáveis, como se mover sozinho, deixar bilhetes pedindo ajuda e até mesmo manifestar algo semelhante a sangue – fenômenos classificados como claros exemplos de psicocinesia.
Inicialmente acreditava-se que a boneca estaria sob influência do espírito de uma menina falecida chamada Annabelle Higgins. Contudo, após investigação aprofundada, os Warren concluíram que uma entidade demoníaca estaria manipulando o objeto em busca de um hospedeiro humano. A boneca, agora conhecida como Annabelle, foi mantida em uma vitrine especial no Museu do Oculto dos Warren, em Monroe.
Esta investigação inspirou “Annabelle” (2014) e suas sequências, parte do universo cinematográfico de “Invocação do Mal”.
Talvez o caso mais notório na trajetória do casal Warren, a história de Amityville começou em 13 de novembro de 1974, quando Ronald DeFeo Jr. assassinou seis membros de sua família em uma casa em Amityville, Long Island. Aproximadamente um ano depois, a família Lutz se mudou para o imóvel.
Após apenas 28 dias, os Lutz abandonaram a propriedade alegando terem sido aterrorizados por manifestações sobrenaturais. Quando os Warren visitaram o local, Lorraine relatou ter sentido “vibrações negativas“, enquanto Ed teria sido atacado por uma entidade invisível – o que pode ser classificado tecnicamente como um fenômeno de agressão paranormal.
As controvérsias e processos judiciais envolvendo este caso não impediram que ele se tornasse base para “Horror em Amityville” (1979) e suas várias sequências, solidificando a reputação do casal como especialistas em fenômenos paranormais.
Em 1971, o casal Warren investigou a casa da família Perron em Harrisville, Rhode Island. Segundo sua análise, o imóvel estaria amaldiçoado por uma bruxa do século XIX chamada Bathsheba Sherman, que teria se enforcado em uma árvore na propriedade após supostamente sacrificar seu filho – caracterizando um caso de influência residual de bruxaria.
A família relatava uma série de perturbações paranormais, como pesadelos recorrentes e o estranho fenômeno de todos acordarem exatamente às 5h15 da manhã – alguns sendo inclusive arremessados de suas camas, manifestação típica de poltergeist.
Curiosamente, os Perron também mencionavam a presença de espíritos aparentemente benignos, incluindo aparições de um menino com quem as filhas brincavam e uma senhora idosa que tucava as crianças na cama.
Esta investigação serviu como base para o primeiro filme da série “Invocação do Mal” (2013), dirigido por James Wan.
Um dos casos mais inusitados na carreira do casal Warren envolveu Arne Cheyenne Johnson, que em 1981 foi acusado de assassinar seu senhorio, Alan Bono, em Brookfield, Connecticut. A peculiaridade? Johnson alegou estar sob possessão demoníaca no momento do crime.
Segundo os Warren, Johnson teria participado de exorcismos realizados em seu cunhado de 11 anos, David Glatzel, quando desafiou o demônio a deixar o corpo do garoto e possuir o seu próprio – um exemplo clássico de transferência demoníaca, fenômeno raro mesmo dentro da demonologia.
Esta foi a primeira vez na história jurídica americana em que alguém tentou utilizar possessão como defesa em um caso de homicídio – sem sucesso, diga-se de passagem. O caso inspirou “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” (2021).
Entre 1977 e 1979, a família Hodgson, em um subúrbio de Londres chamado Enfield, relatou experiências paranormais intensas. Móveis se moviam sozinhos (fenômeno de telecinesia), objetos voavam pelos cômodos (apport invertido) e a filha mais nova, Janet, falava com voz masculina grave (incorporação) e levitava da cama (levitação) – todos fenômenos classificados dentro do espectro de psicocinesia.
Estes eventos foram testemunhados por vizinhos, jornalistas e até mesmo por policiais. O casal Warren viajou para Londres para investigar e concluiu haver alguma forma de possessão demoníaca afetando as crianças da família. Esta investigação tornou-se a trama central de “Invocação do Mal 2” (2016).
Embora tenham conquistado imenso reconhecimento público, os Warren não escaparam de controvérsias. Céticos e especialistas em parapsicologia científica questionavam seus métodos e conclusões, enquanto Ray Garton, autor que trabalhou com o casal, expressou frustração com as inconsistências nos relatos de uma das famílias investigadas por eles.
Após o falecimento de Ed em 2006, aos 79 anos, Lorraine continuou realizando palestras sobre fenômenos sobrenaturais e serviu como consultora para os filmes “Invocação do Mal”, até sua morte em 2019, aos 92 anos. O Museu do Oculto dos Warren, que abrigava artefatos de suas investigações (incluindo objetos supostamente afetados por psicocinesia e energia residual), foi fechado ao público devido a questões de zoneamento, mas o acervo continua sob cuidados de Tony Spera e Judy Warren, genro e filha do casal.
Seja qual for a verdade por trás dos casos do casal Warren, seu impacto na cultura pop é inegável. A franquia “Invocação do Mal” e seus derivados se tornaram a série de filmes de terror mais lucrativa da história, arrecadando mais de 1,2 bilhão de dólares em bilheteria.
Patrick Wilson e Vera Farmiga, que interpretam Ed e Lorraine nos filmes, ajudaram a consolidar a imagem do casal como heróis enfrentando o mal sobrenatural armados apenas com sua fé católica e conhecimentos em demonologia e parapsicologia. Uma romantização que, segundo algumas fontes, pode estar distante da complexa realidade de suas vidas.
O casal Warren também introduziu a teoria dos 28 dias, que propõe existir um ciclo natural de intensificação dos fenômenos paranormais que dura aproximadamente quatro semanas. Esta teoria, embora contestada por parapsicólogos acadêmicos, continua sendo explorada em investigações contemporâneas.
Em 2022, mais de três anos após a morte de Lorraine, foi anunciado o desenvolvimento de “Invocação do Mal 4”, que deve apresentar um novo caso investigado pelo casal, mantendo vivo seu legado nas telas e no imaginário popular.
O trabalho do casal Warren abriu caminho para uma nova geração de investigadores de fenômenos paranormais. Sua abordagem multidisciplinar, combinando elementos de demonologia, parapsicologia, religião e psicologia, influenciou a maneira como as investigações paranormais são conduzidas atualmente.
Programas de televisão como “Ghost Hunters” e “Paranormal State” seguem o modelo de investigação popularizado pelos Warren, utilizando equipamentos para detecção de atividades paranormais e combinando técnicas científicas com sensibilidade espiritual.
Em uma era dominada pelo ceticismo científico, o casal Warren representava uma abordagem diferente: eles abraçavam tanto a metodologia quanto a espiritualidade, considerando ambas como complementares na investigação do sobrenatural. Esta visão integrada continua influenciando tanto investigadores quanto o público interessado em fenômenos inexplicáveis.
Entre críticas e admiração, Ed e Lorraine Warren deixaram uma marca indelével na história da demonologia e da parapsicologia americana, além de transformar completamente a forma como o sobrenatural é retratado nas artes. O casal explorou aquela zona nebulosa entre o explicável e o misterioso, onde residem nossos medos mais profundos e fascinações mais duradouras.
Seus casos, independentemente das controvérsias, continuam estimulando discussões sobre a natureza da realidade, os limites da ciência e a possibilidade de existência de fenômenos além da compreensão humana. O verdadeiro legado do casal Warren talvez esteja menos nas respostas que ofereceram e mais nas perguntas que nos encorajaram a fazer.
Em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia e pelo racionalismo, Ed e Lorraine nos lembraram que ainda existem mistérios inexplorados – e que, talvez, nem todas as respostas possam ser encontradas através da ciência convencional. Para muitos, eles foram mais que investigadores paranormais; foram guardiões de uma fronteira que poucos têm coragem de explorar.