Quem é São Cipriano? Poucos personagens na tradição cristã despertam tanto fascínio e mistério quanto este homem que habitou simultaneamente o universo dos santos católicos e dos grimórios de magia.
A verdadeira história de São Cipriano revela uma jornada extraordinária que atravessa os domínios do ocultismo e da santidade, fazendo dele uma figura singular na história religiosa.
A principal razão para a aura misteriosa que envolve a pergunta “quem foi São Cipriano” está na existência de dois personagens históricos que acabaram se fundindo na cultura popular. Na realidade, há dois Ciprianos que foram misturados em meio a dezenas de lendas de transmissão oral: um existiu comprovadamente; o outro, provavelmente não.
O Cipriano com maior comprovação histórica é São Cipriano de Cartago, nascido no século III no território que hoje pertence à Tunísia. De família nobre, ele foi inicialmente um advogado pagão reconhecido por seu talento com a retórica. Sua conversão ao cristianismo aconteceu aos 35 anos, de forma surpreendentemente radical.
Com impressionante rapidez, Cipriano de Cartago foi ordenado sacerdote e depois bispo, em 249 d.C., assumindo a liderança da comunidade cristã durante um período turbulento. Os registros históricos mostram que ele foi um dos doutores da Igreja, notável orador e importante pai do cristianismo, tendo deixado numerosos escritos teológicos que nada têm a ver com ocultismo ou ciências ocultas.
Já o outro personagem, conhecido como São Cipriano de Antioquia, tem sua existência histórica frequentemente questionada pelos estudiosos. Muitos defendem a tese de que este Cipriano nunca existiu, sendo suas histórias fruto da confusão com seu homônimo. No entanto, é justamente este personagem semicêndico que protagoniza as lendas mais fascinantes e que deu origem ao famoso Livro de São Cipriano.
Segundo as narrativas populares, São Cipriano, o feiticeiro, teria sido um dos bruxos mais poderosos de todos os tempos. Nascido em 250 d.C. em Antioquia, numa família pagã e extremamente rica, o jovem Cipriano demonstrou desde cedo talento para as ciências ocultas, levando seus pais a direcioná-lo para os estudos esotéricos.
Dedicando-se integralmente às práticas de alquimia, astrologia e adivinhação, ele viajou pelo Egito, Grécia e outros países, aperfeiçoando seus conhecimentos em diversas modalidades de magia. Dizem que, aos 30 anos, chegou à Babilônia para estudar a cultura ocultista dos Caldeus, onde teria conhecido a Bruxa Évora, uma das mais temidas da época.
As lendas contam que seu poder era tão grande que ele não precisava de intermediários para contatar o mundo espiritual, sendo capaz de dialogar diretamente com o próprio Satanás, tornando-se um verdadeiro símbolo do ocultismo. Foi justamente esse contato com forças demoníacas que desencadeou a história mais repetida sobre sua conversão.
A narrativa mais difundida sobre “quem é São Cipriano” envolve uma jovem cristã chamada Justina. Um rico chamado Agládio apaixonou-se perdidamente por ela, mas a moça recusava seus avanços por ter consagrado sua virgindade a Deus. Desesperado, Agládio procurou o mago incrível Cipriano, pedindo-lhe que criasse um feitiço para conquistar Justina.
Confiante em seus poderes, Cipriano realizou diversas bruxarias, utilizando todos os recursos mágicos da irmandade dos magos. Para sua frustração, nenhum de seus feitiços surtiu efeito sobre a devota Justina, que se protegia com orações e o sinal da cruz.
Desconcertado com a ineficácia de seus poderes diante da fé cristã, o feiticeiro que vendeu a alma ao diabo questionou o próprio demônio sobre o que fazer. Segundo a lenda, Satanás lhe respondeu: “Quem a protege é Cristo. Contra Ele não posso nada.”
Esta revelação provocou em Cipriano uma profunda crise espiritual. Desiludido com o paganismo e impressionado com o poder da fé, ele decidiu abandonar suas práticas ocultistas. Procurou o bispo Antímio e converteu-se ao catolicismo. Como gesto de sua conversão sincera, queimou seus manuscritos de feitiçaria e distribuiu seus bens entre os pobres.
A conversão de São Cipriano e suas subsequentes obras cristãs chamaram a atenção das autoridades romanas. Quando as notícias chegaram ao Imperador Diocleciano, tanto Cipriano quanto Justina foram perseguidos, presos e torturados.
Diante do imperador, foram pressionados a renegar a fé. Justina foi chicoteada e Cipriano açoitado com pentes de ferro, mas nenhum dos dois cedeu. Por sua firmeza, foram ambos condenados à morte por decapitação, junto com outro cristão chamado Teoctiso, que demonstrou publicamente sua solidariedade.
Após sua morte, São Cipriano e Santa Justina passaram a ser venerados como mártires da Igreja Católica. A data de 26 de setembro é citada pelo Calendário Litúrgico como a festa desses santos. A história desses mártires foi narrada em diversas línguas antigas, incluindo grego, latim e sírio, demonstrando a importância dessa narrativa para os primeiros cristãos.
Um dos elementos mais intrigantes na história e legado de São Cipriano é o famoso Livro de São Cipriano que leva seu nome. Este grimório refere-se a diferentes livros dos séculos XVII, XVIII e XIX, todos falsamente atribuídos a São Cipriano de Antioquia. Segundo a crença popular, essas obras conteriam os conhecimentos mágicos que o santo possuía antes de sua conversão.
A primeira edição conhecida em português data de 1846 e contém diversos rituais de exorcismo, supostos feitiços e “simpatias” populares para as mais variadas finalidades. No Brasil, o livro se tornou extremamente popular, especialmente na versão conhecida como São Cipriano Capa Preta.
As versões mais conhecidas geralmente são publicadas com subtítulos como “O Tesouro do Feiticeiro” e prefixos que buscam conferir autenticidade à obra, como “Grande e Verdadeiro”. A Capa Preta Milagrosa, como também é conhecido, contém conteúdo aparentemente católico, embora profundamente enraizado em práticas de bruxaria.
É importante destacar que o livro atribuído a São Cipriano só apareceu no século XIX, muito tempo depois da morte do santo, que viveu no século III. Em resumo: existe mesmo um Livro de São Cipriano, mas ele é de falsa autoria.
A figura de São Cipriano, padroeiro das bruxas, continua a fascinar tanto devotos religiosos quanto interessados no ocultismo. Para a Igreja Católica, ele representa o poder transformador da fé, capaz de converter até mesmo o mais dedicado praticante das artes obscuras, ilustrando o tema do feiticeiro que se converte a Cristo.
Já no universo do ocultismo, Cipriano é venerado como um mestre que dominava tanto os conhecimentos profanos quanto os sagrados. No Brasil, sua oração da Cabra Preta e outros rituais são buscados para proteger de bruxarias e feitiçarias, além de diversos fins amorosos.
O que torna a resposta à pergunta “quem é São Cipriano” particularmente especial é justamente essa capacidade de habitar simultaneamente dois mundos aparentemente opostos: o da religiosidade oficial e o das práticas marginais. Seja ele uma figura histórica ou uma construção cultural baseada em tradições orais e manuscritos, São Cipriano permanece como um símbolo do eterno diálogo entre as forças do visível e do invisível, do sagrado e do profano.
Essa dualidade talvez seja o verdadeiro legado de São Cipriano, santo ou bruxo: lembrar-nos que as fronteiras entre o bem e o mal, entre a fé e a superstição, entre a história e o mito, são muito mais tênues e permeáveis do que gostaríamos de acreditar.