A chegada de “O Eternauta” à Netflix reacendeu o interesse pela obra-prima de Héctor Germán Oesterheld. A comparação entre “O Eternauta HQ e série” tem sido tema constante entre fãs e críticos, já que esta adaptação estrelada por Ricardo Darín traz mudanças significativas em relação ao material original.
Após décadas sendo considerada “inadaptável”, a história finalmente encontrou seu caminho para as telas, com transformações que merecem análise.
A história original de “O Eternauta” transcorre na Buenos Aires dos anos 1950, período em que a HQ foi publicada pela primeira vez. A contemporaneidade era um elemento crucial da narrativa, permitindo que os leitores visualizassem a invasão alienígena em lugares familiares.
Na série da Netflix, Bruno Stagnaro transporta a história para a Buenos Aires atual, mantendo o espírito de proximidade com o espectador. Esta atualização incorpora elementos do cenário político e social argentino contemporâneo, incluindo manifestações, crises econômicas e referências à Guerra das Malvinas, criando uma narrativa mais relevante para o público de 2025.
Na HQ original, Juan Salvo é um homem de cerca de 40 anos, casado e com uma filha. Sua habilidade com armas vem de seu treinamento como reservista, e ele se une voluntariamente à resistência contra a invasão alienígena.
A versão interpretada por Ricardo Darín na série apresenta um Juan Salvo consideravelmente mais velho e com um passado mais complexo: agora ele é um veterano da Guerra das Malvinas. Esta mudança não apenas justifica suas competências militares, mas acrescenta uma dimensão psicológica ao personagem, que carrega traumas de guerra e resistência inicial à violência, elementos inexistentes no quadrinho original.
Uma das transformações mais significativas da adaptação Netflix é o tratamento dado aos personagens femininos. Na HQ de Oesterheld, as mulheres têm papéis secundários e passivos: Elena (esposa de Juan) e Martita (sua filha) permanecem em casa, com participação mínima na trama.
A série com Ricardo Darín revoluciona este aspecto. Elena, interpretada por Carla Peterson, assume papel muito mais ativo, envolvendo-se diretamente na resistência. Além disso, a narrativa começa com um grupo de amigas em um veleiro no Rio da Prata – cena inexistente no original que sinaliza a importância das personagens femininas nesta nova versão, fortalecendo o conceito de “herói coletivo” tão essencial à obra.
A HQ original possui estrutura narrativa peculiar: começa com um encontro entre um roteirista (representação do próprio Oesterheld) e um homem misterioso que se materializa em seu estúdio – Juan Salvo, o Eternauta, viajante no tempo que conta sua história. Este encontro serve como moldura para a narrativa principal.
A adaptação para Netflix abandona esse recurso meta-narrativo e opta por um início completamente diferente. Não há mais o escritor recebendo um visitante do futuro; em vez disso, a série O Eternauta começa diretamente com a ação: amigas em um veleiro testemunhando fenômenos estranhos, enquanto amigos se reúnem na casa de um dos protagonistas. Esta reestruturação altera profundamente a forma como a história é contada, privilegiando a imersão direta no apocalipse nevado.
Apesar dessas diferenças, a essência que tornou “O Eternauta” um clássico permanece: o conceito do “herói coletivo” onde “ninguém se salva sozinho” e a ambientação da catástrofe em um espaço urbano reconhecível.
As comparações entre “O Eternauta HQ e série” evidenciam que, como declarou Bruno Stagnaro, diretor da produção, o importante não era a fidelidade superficial, mas a emocional. A Netflix acertou ao criar uma obra que respira os conflitos contemporâneos sem perder o espírito da criação original de Oesterheld, proporcionando uma nova perspectiva para esta história icônica.