O Corvo Allan Poe: Um Lamento na Escuridão

Edgar Allan Poe (1809-1849) destacou-se como figura central na literatura americana do século XIX, revolucionando os gêneros de terror psicológico e narrativas investigativas. Sua obra-prima “O Corvo”, lançada em 1845, consolidou rapidamente sua reputação literária, tornando-se símbolo de sua maestria em explorar temáticas sombrias.

A composição surgiu durante a ascensão do movimento Romântico Obscuro nos Estados Unidos, coincidindo com um período especialmente turbulento na vida pessoal do autor, quando sua jovem esposa Virginia enfrentava a tuberculose.

Um fato interessante é que, diferentemente da maioria das obras poéticas da época, “O Corvo” conquistou popularidade imediata após ser publicado no periódico “Evening Mirror”. Poe transformou-se em celebridade literária, sendo frequentemente convidado para recitais onde suas interpretações dramáticas do poema causavam profunda impressão nos ouvintes.

Conto “O Corvo” de Edgar Allan Poe

Próximo da meia-noite, enquanto eu contemplava, exausto e melancólico, diversos volumes de conhecimentos arcaicos, minha consciência começava a desvanecer quando percebi uma suave batida, como dedos gentilmente tocando minha porta.

“Algum visitante”, pensei baixinho, “batendo em minha porta — apenas isto, nada além.”

Recordo claramente aquela gélida noite de dezembro. Cada brasa agonizante desenhava espectros fantasmagóricos pelo chão. Desejava ansiosamente o amanhecer, buscando inutilmente consolo nos livros para minha tristeza — o pesar pela perda de Lenora, a jovem etérea. Aquela donzela sublime e luminosa que no céu chamam Lenora, mas aqui permanece sem nome para sempre.

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O Corvo. Imagem: Portal Sobrenatural

O movimento das sedosas cortinas roxas me provocava arrepios, preenchendo-me com pavores desconhecidos. Para controlar as palpitações do meu coração, repetia para mim mesmo: “É somente alguém solicitando entrada — apenas um visitante noturno à minha porta, nada mais.”

Meu espírito ganhou coragem. Sem mais demoras, falei: “Cavalheiro ou dama, sinceramente imploro seu perdão; estava quase adormecendo quando sua batida tão sutil chegou aos meus ouvidos.” Abri completamente a porta — escuridão absoluta era tudo que havia.

Mergulhando meu olhar naquela penumbra profunda, permaneci longamente maravilhado, receoso, duvidando, imaginando possibilidades que nunca antes foram consideradas. O silêncio persistia inalterado, a quietude não oferecia indícios, e a única palavra pronunciada foi meu sussurro: “Lenora?” — e o eco devolveu: “Lenora?” — simplesmente isso, nada mais.

Retornando ao meu aposento, com o espírito incandescente, logo ouvi novas batidas, mais intensas que anteriormente. “Sem dúvida”, refleti, “algo ocorre na minha janela. Investigarei este mistério, acalmarei meu coração momentaneamente. Deve ser o vento, nada além.”

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O Corvo, sombra do luto eterno. Imagem: Portal Sobrenatural

Arremessei as venezianas e, com movimentos graciosos de asas, adentrou majestosamente um corvo das épocas ancestrais. Sem qualquer cumprimento ou pausa, com postura aristocrática, instalou-se sobre um busto de Palas acima de minha porta — pousou, acomodou-se, e permaneceu imóvel.

Esta criatura enegrecida transformou minha aflição em um sorriso, pela dignidade e formalidade de sua aparência. “Apesar de tua crista raspada”, comentei, “não és um covarde, misterioso e antigo corvo viajante das regiões noturnas. Revela-me teu título nobre nas costas obscuras da Noite!”

O Corvo proferiu: “Nunca mais.”

Surpreendi-me ao escutar esta ave deselegante comunicar-se tão claramente, embora sua resposta pouco significado carregasse. Devemos reconhecer que nenhuma pessoa viva jamais experimentou a visão singular de uma ave sobre um busto acima de sua porta identificando-se como “Nunca mais.”

Contudo o corvo, isolado sobre o sereno busto, emitiu somente aquela expressão, como derramando sua essência vital naquela única frase. Nada acrescentou, nenhuma pluma moveu, até que murmurei: “Outros companheiros partiram antes. Quando amanhecer ele também me deixará, como minhas esperanças já se foram.”

A ave então declarou: “Nunca mais.”

Assustado pelo quebrar do silêncio com resposta tão apropriada, ponderei: “Provavelmente seu vocabulário limita-se a esta expressão, aprendida de algum infortunado proprietário perseguido pela desventura até que seus cânticos carregassem o peso melancólico de ‘Nunca mais’.”

O corvo, entretanto, continuava despertando minha curiosidade. Trouxe uma poltrona confortável diante da ave, do busto e da porta. Afundando no veludo, comecei a encadear reflexões, contemplando o significado daquele pássaro ameaçador — o que aquela criatura esquálida, sinistra, assustadora e desolada intencionava expressar com seu “Nunca mais.”

Permaneci assim, absorvido em teorias, sem dirigir palavra alguma ao pássaro cujos olhos flamejantes agora penetravam minha alma. Estas e outras conjecturas analisava, reclinando a cabeça sobre o veludo violáceo iluminado pela lâmpada — veludo que ela jamais voltará a tocar, nunca jamais!

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O Corvo, mensageiro da escuridão. Imagem: Portal Sobrenatural

A atmosfera pareceu condensar-se, perfumada por invisível incensório balançado por serafins cujos passos ressoavam na alcatifa. “Desafortunado!”, exclamei, “tua divindade emprestou-te — através destes anjos enviou-te descanso e néctar do esquecimento para tuas lembranças de Lenora! Sorve, oh sorve esta poção benevolente e apaga a memória da Lenora ausente!”

O Corvo proclamou: “Nunca mais.”

“Vidente!”, exclamei, “ser maligno! — profeta ainda, seja pássaro ou demônio! Enviado pelo Tentador ou lançado pela tempestade a esta terra, solitário mas intrépido, nesta residência assombrada pelo horror — revela-me honestamente, suplico: existe alívio em Gileade? Dize-me, imploro!”

O Corvo respondeu: “Nunca mais.”

“Vidente!”, continuei, “ser maligno! — profeta ainda, seja pássaro ou demônio! Pelo firmamento acima de nós, pela divindade que ambos veneramos, comunica a esta alma carregada de pesar se, no paraíso distante, ela encontrará uma jovem sacralizada que os celestiais denominam Lenora — abraçará uma donzela singular e luminosa que os celestiais denominam Lenora.”

O Corvo retrucou: “Nunca mais.”

“Seja esta palavra nossa despedida, criatura ou espírito maligno!”, bradei, erguendo-me. “Retorna à tormenta e às praias obscuras da Noite! Não deixes uma pena negra como vestígio da falsidade que tua essência proclamou! Deixa minha solidão intacta! Abandona este busto acima de minha porta! Remove teu bico de meu peito e tua figura de meu umbral!”

O Corvo reiterou: “Nunca mais.”

E o Corvo, sem jamais mover-se, ainda permanece, ainda habita o pálido busto de Palas exatamente acima da porta de meus aposentos. Seus olhos possuem toda a semelhança de um demônio em sonhos, e a luz projeta sua silhueta sobre o piso. E minha alma, daquela sombra que se estende flutuante no soalho, não conseguirá libertar-se — nunca mais!

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Nota Final

Em O Corvo Allan Poe ultrapassa barreiras temporais ao retratar magistralmente como o luto persistente nos aprisiona. O pássaro negro, com sua obstinada declaração “Nunca mais”, simboliza nossa impossibilidade de escapar das dores e recordações que continuamente nos perseguem. A narrativa sugere que, ocasionalmente, nossas perdas significativas transformam-se em habitantes perpétuos — guardiões sombrios que se enraízam em nossa psique.

Você já vivenciou alguma perda que, semelhante ao corvo, parece ter estabelecido residência definitiva em sua existência, resistindo quando você implora por libertação?

Tradução livre baseada no poema “The Raven” de Edgar Allan Poe, obra em domínio público.

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