O Barril de Amontillado de Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe (1809-1849) foi um dos maiores expoentes da literatura gótica americana, conhecido por seus contos de mistério, horror psicológico e narrativas macabras. Mestre do conto curto, Poe viveu uma vida marcada por tragédias pessoais e vícios que influenciaram profundamente sua obra literária.

“O Barril de Amontillado” foi publicado originalmente em 1846, período em que Poe já enfrentava sérios problemas com o alcoolismo e pouco antes de sua misteriosa morte. A narrativa reflete o fascínio do autor por temas como vingança, enterro prematuro e os abismos da psique humana.

Curiosamente, especula-se que o conto tenha sido inspirado por uma rivalidade real entre Poe e outros escritores contemporâneos, transposta para a ficção como um acerto de contas simbólico.

Conto “O Barril de Amontillado”

Não dei a Fortunato motivo algum para desconfiar de mim. Continuei a sorrir em seu rosto, e ele não percebia que meu sorriso agora se devia ao pensamento do que eu planejava para ele, à ideia da minha vingança.

o barril de amontillado
Entre taças e promessas. Imagem: Portal Sobrenatural

Fortunato era um homem forte, alguém a ser temido. Porém, tinha uma grande fraqueza: apreciava bons vinhos e, de fato, bebia-os em quantidade. Conhecia muito sobre vinhos refinados e orgulhosamente acreditava ser um juiz treinado deles. Eu também conhecia bem os vinhos antigos e comprava os melhores que podia encontrar. E o vinho, pensei, o vinho me daria minha vingança!

Era quase noite, numa tarde de primavera, quando encontrei Fortunato sozinho na rua. Falou comigo com mais calor que o habitual, pois já havia bebido mais vinho do que lhe fazia bem. Fingi estar satisfeito em vê-lo e apertei sua mão, como se ele fosse meu amigo mais próximo.

— Fortunato! Como vai?

— Montresor! Boa noite, meu amigo.

— Meu caro Fortunato! Estou realmente feliz por tê-lo encontrado. Estava justamente pensando em você. Estive provando meu novo vinho. Comprei um barril inteiro de um excelente vinho que me disseram ser Amontillado. Mas…

— Amontillado! Impossível.

— Eu sei. Parece improvável. Como não o encontrei, estava a caminho de falar com Luchresi. Se alguém entende de vinhos é Luchresi. Ele me dirá…

— Luchresi? Ele não distingue um vinho do outro!

— Mas dizem que ele conhece tanto sobre vinhos quanto você.

— Há! — Venha. Vamos.

— Para onde?

— Para suas adegas. Para provar o vinho.

— Não, meu amigo, não. Posso ver que não está bem. E as adegas são frias e úmidas.

— Não me importo. Vamos. Estou bem o suficiente. O frio não é nada. Amontillado! Alguém está brincando com você. E Luchresi! Ha! Luchresi não sabe nada sobre vinhos, absolutamente nada.

Enquanto falava, Fortunato segurou meu braço, e eu permiti que me apressasse até meu grande palácio de pedra, onde minha família, os Montresor, vivia há séculos. Não havia ninguém em casa. Eu havia dito aos criados que não deixassem o palácio, pois eu não retornaria até a manhã seguinte e eles deveriam cuidar do lugar. Isso, eu sabia, era suficiente para ter certeza de que todos sairiam assim que eu virasse as costas.

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Passos incertos ecoam entre paredes que sussurram rostos aflitos. Imagem: Portal Sobrenatural

Retirei da parede dois archotes ardentes. Dei um deles a Fortunato e o conduzi a uma ampla entrada. Lá podíamos ver os degraus de pedra descendo para a escuridão.

Pedindo-lhe que fosse cuidadoso ao me seguir, desci à sua frente, para baixo da terra, fundo sob as antigas paredes do meu palácio. Finalmente chegamos ao fundo dos degraus e permanecemos ali por um momento. A terra que formava o chão era fria e dura. Estávamos entrando no último lugar de descanso dos mortos da família Montresor. Ali também guardávamos nossos melhores vinhos, naquele ar frio, escuro e parado sob a terra.

Os passos de Fortunato eram incertos, devido ao vinho que havia bebido. Olhou hesitante ao redor, tentando enxergar através da espessa escuridão que nos cercava. Ali nossos archotes ardentes pareciam realmente fracos. Mas nossos olhos logo se acostumaram à escuridão. Podíamos ver os ossos dos mortos empilhados ao longo das paredes. As pedras das paredes estavam molhadas e frias.

Das longas fileiras de garrafas que estavam no chão, entre os ossos, escolhi uma que continha um vinho muito bom. Como não tinha nada para abrir a garrafa, bati-a contra a parede de pedra e quebrei a ponta. Ofereci a garrafa a Fortunato.

— Aqui, Fortunato. Beba um pouco deste excelente Médoc. Ajudará a nos manter aquecidos. Beba!

— Obrigado, meu amigo. Bebo aos mortos que jazem dormindo ao nosso redor.

— E eu, Fortunato — bebo à sua longa vida.

— Ah! Um vinho muito bom, de fato! Mas o Amontillado?

— Está mais adiante. Venha.

Caminhamos por algum tempo. Estávamos agora sob o leito do rio, e a água caía em gotas sobre nós, vinda de cima. Descemos mais fundo na terra, passando por ainda mais ossos.

— Suas adegas são muitas e grandes. Parece não haver fim para elas.

— Somos uma grande família, e antiga. Não está longe agora. Mas posso ver que você está tremendo de frio. Venha! Vamos voltar antes que seja tarde demais.

— Não é nada. Continuemos. Mas primeiro, outro gole do seu Médoc!

Peguei outra garrafa dentre os ossos. Era outro vinho de boa qualidade, um De Grâve. Novamente quebrei o gargalo da garrafa. Fortunato pegou-a e bebeu tudo sem parar para respirar. Ele riu e jogou a garrafa vazia por cima do ombro.

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Um grito silenciado entre tijolos. Imagem: Portal Sobrenatural

Seguimos adiante, cada vez mais fundo na terra. Finalmente chegamos a uma cripta onde o ar era tão velho e pesado que nossos archotes quase se apagaram. Contra três das paredes havia pilhas de ossos mais altas que nossas cabeças. Da quarta parede alguém havia retirado todos os ossos, e eles estavam espalhados pelo chão ao nosso redor. No meio da parede havia uma abertura para outra cripta, se posso chamá-la assim — um pequeno aposento com cerca de um metro de largura, dois metros de altura e talvez um metro e vinte de profundidade. Era pouco mais que um buraco na parede.

— Vá em frente — eu disse. — Entre; o Amontillado está lá dentro.

Fortunato continuou a avançar, incerto. Segui-o imediatamente. Logo, é claro, ele alcançou a parede dos fundos. Ficou ali por um momento, de frente para a parede, surpreso e perplexo. Naquela parede havia dois pesados anéis de ferro. Uma corrente curta pendia de um deles e um cadeado do outro. Antes que Fortunato pudesse adivinhar o que estava acontecendo, fechei o cadeado e o acorrentei firmemente à parede. Dei um passo atrás.

— Fortunato — eu disse. — Coloque sua mão contra a parede. Você deve sentir como a água escorre por ela. Mais uma vez peço, por favor, não quer voltar? Não? Se não, então devo deixá-lo. Mas primeiro devo fazer tudo o que puder por você.

— Mas… E o Amontillado?

— Ah, sim, sim, de fato; o Amontillado.

Enquanto dizia essas palavras, comecei a procurar entre os ossos. Jogando-os para um lado, encontrei as pedras que anteriormente eu havia retirado da parede. Rapidamente comecei a reconstruir a parede, cobrindo o buraco onde Fortunato estava tremendo.

— Montresor! O que está fazendo!?

Continuei trabalhando. Podia ouvi-lo puxando a corrente, sacudindo-a freneticamente. Restavam apenas algumas pedras para colocar em seus lugares.

— Montresor! Ha-ha. Esta é uma piada muito boa, de fato. Muitas vezes riremos disso — ha-ha — enquanto bebemos nosso vinho juntos — ha-ha.

— É claro. Enquanto bebemos o Amontillado.

— Mas não está ficando tarde? Não deveríamos voltar? Estarão nos esperando. Vamos.

— Sim. Vamos.

Ao dizer isso, levantei a última pedra do chão.

— Montresor! Pelo amor de Deus!!

— Sim. Pelo amor de Deus!

Não ouvi resposta. “Fortunato!”, gritei. “Fortunato.” Ouvi apenas um som suave e baixo, um meio-grito de medo. Meu coração ficou doente; deve ter sido o frio. Apressei-me em forçar a última pedra em sua posição. E coloquei os velhos ossos novamente empilhados contra a parede. Por meio século agora nenhuma mão humana os tocou. Que descanse em paz!

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Nota Final

“O Barril de Amontillado” permanece como um dos estudos mais perfeitos sobre vingança na literatura mundial. A frieza calculista do narrador Montresor, que executa seu plano sem remorso e o conta cinquenta anos depois, ainda causa arrepios nos leitores contemporâneos. Poe nos confronta com questões inquietantes sobre justiça, obsessão e a natureza humana: até onde alguém pode ir em nome da vingança? O que realmente constitui uma ofensa imperdoável?

O mais assustador, talvez, seja perceber como Poe nos torna cúmplices silenciosos dessa atrocidade, guiando-nos pelos corredores úmidos das catacumbas até o momento final, onde também nós, leitores, ajudamos a colocar o último tijolo na parede. Que ofensa poderia justificar um destino tão terrível como o de Fortunato?

Citação de Origem

Tradução livre baseada no conto “The Cask of Amontillado” de Edgar Allan Poe, obra em domínio público.

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